
Inquilino impensável do Planalto, “Sarney” foi o vice mais versa que a República já conheceu. Produzido pelo acaso, chegou ao final do governo tão execrado que não teve como patrocinar um candidato à sua própria sucessão. Seu aval cairia sobre qualquer candidatura como uma sentença de morte.
O processo de reabilitação de “Sarney” em vida foi deflagrado pelo sucessor, Fernando Collor, que conseguiu a façanha de realizar um governo ainda pior. Mais tarde, Lula forneceria uma biografia nova a “Sarney”. Fez isso ao procurá-lo para pedir apoio, em 2002, depois de tê-lo xingado de “ladrão” durante anos.
Quatro vezes presidente do Senado, “Sarney” protagonizou o escândalo dos atos secretos. Secretamente, deu emprego a uma sobrinha de sua mulher que morava em Campo Grande, forneceu contracheque a uma sobrinha do genro que residia em Barcelona, alçou à folha do Estado um personagem (“Secreta”) que trabalhava como mordomo na casa da filha Roseana Sarney…
Convidado pelos jornalistas a analisar o comportamento do aliado, Lula tratou-o com distinção: “Sarney não pode ser tratado como se fosse uma pessoa comum.” De fato, se há algo de que “Sarney” não pode ser acusado é de ser comum. Difícil saber agora o que os livros dirão de “Sarney” quando puderem falar dele sem os ruídos da conjuntura. Vai à posteridade o “Sarney” incomum ou o Sarney ordinário?
Quando olha para o espelho, “Sarney” enxerga o brasileiro mais extraordinário que Sarney já conheceu. Nos modos, um sujeito cordial. Nas artes, a imortalidade da Academia Brasileira de Letras. Na política, a presidência de um “estadista” que soube completar a transição sem descuidar da “liturgia do cargo”.
Quando olhar para o Maranhão e verificar o sucesso que “Sarney” obteve sendo Sarney a vida inteira —do império estadual de comunicação até as edificações batizadas com os nomes de toda a família— a posteridade haverá de reconhecer: “Sarney” é a personificação de um Brasil em que a vida dos governantes sempre melhora. Mesmo quando piora a vida dos governados.
Ao perder uma eleição para governador da Califórnia, nos Estados Unidos, Richard Nixon convocou a imprensa para informar que deixaria a vida pública. “Vocês não terão mais Richard Nixon para chutar”, disse. O morubixaba do PMDB também se julga injustiçado pela imprensa. Mas não pode ecoar Nixon. Ainda que Sarney se aposente, sempre haverá um “Sarney” para ser chutado. Com muita justiça.